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Trilogia: Aprendizados da roça

Parte II – Burnout é a desertificação do homem

Meu pai era o caçula de seis irmãos, nascido de parteira lá na casa da fazenda mesmo, que hoje já não existe mais. Como a maioria das famílias rurais, todos eles trabalharam muito de sol a sol para que ele virasse Doutor. E virou, médico anestesiologista para o orgulho de todos. Como todo pai que se preze, o meu não queria que eu passasse pelos perrengues que ele e os irmãos passaram.

Por mais que ele amasse aquele lugar sempre me orientou para que estudasse, arrumasse um bom emprego e ficasse na cidade. Segundo ele a vida no campo era muito ingrata, apesar de voltar correndo para roça de seus plantões em Belo Horizonte para subir no trator e arar a terra, empilhar toras de eucalipto ou tocar o gado. Assim o fiz.

Minha vida seguiu o rumo da urbanidade estéril, civilizada e do progresso atras das telas. 

Observando de longe todas as suas tentativas de cuidar daquele lugar, sem muito sucesso, sendo roubado, devastado pelo fogo, pela seca. Eu até conseguia entender sua posição de me manter relativamente afastada embora não conseguisse aceitar que não houvesse alguma alternativa.

Parte de todo ciclo da vida, meu pai se foi, e eu como filha única precisei tomar conta do que era dele. Mesmo ainda sem saber se ficaria ou não com a fazenda, precisei tomar conta dela. Aos poucos fui aprendendo sobre o que eu tinha que aprender. Passo fundamental foi pedir ajuda ao grande mestre Eurico Vianna, PhD, criador do canal Impacto Positivo (recomendo a todos que devorem seu conteúdo no You tube ou Spotify) que está me acompanhando com muita generosidade e paciência nessa minha caminhada permeada por muito mais perguntas do que respostas.

Com ele me dei conta de como nos distanciamos dos processos mais básicos da vida: nos alimentar.

Me lembrei que durante as férias íamos de bicicleta na casa de um tio buscar o leite tirado naquela manhã num vasilhame. Quando chegávamos, minha tia cuidadosamente coava a grama com um pano de prato e depois de fervido fazia biscoitos de nata simplesmente deliciosos. Voltei a ter contato com temas esquecidos que estudamos nos livros quando criança. Lembra da fotossíntese? Se recorda sobre adubação? Meu coração ficou quentinho e meus olhos brilharam de novo. Aprender sobre soberania alimentar, sobre autonomia energética, sobre viver de modo regenerativo não tem preço. Despertar para o que nunca deveria ter adormecido.

Enquanto isso na cidade glamourizada aprendemos a nos destruir com mais eficiência. Nossa desconexão é tamanha que não percebemos o como nossa vida depende da terra, aquela que fica embaixo do asfalto, da água, aquela que as vezes ficamos bravo devido ao racionamento mas não somos capazes de fechar a torneira, e de toda biodiversidade lá fora. Enquanto isso, fazemos trilhas de aprendizagem organizacional, simples e puramente para vender mais da nova versão de shampoo ou creme dental completamente desnecessária, vivendo em ambientes cada vez mais inóspitos nos distanciamos da sabedoria pura sobre a sobrevivência. 

Falamos de ESG já que está na moda, mas não somos capazes de mudar nenhum hábito diário em nossa própria casa para reutilização da água, evitar desperdício ou reciclar o lixo. Qualquer coisa seria melhor que nada.

Assistimos pela tv à 33 milhões de brasileiros passarem fome. Mas tudo bem, afinal pedimos nosso almoço pelo Ifood, temos água limpa saindo da torneira e nosso lixo some abduzido do corredor do prédio todos os dias pela manhã através do trabalho de alguém que nem sabemos o nome. Relaxa, isso tudo não vai chegar na zona sul. Bem, parece que está chegando cada vez mais perto e mais rapidamente. A Europa privilegiada já sente na pele a crise energética e no Brasil, o carrinho de compras privilegiado está a preço de ouro.

E do mesmo jeito que estou aprendendo como estamos esgotando a terra e desertificando o planeta prestes a extinguir a nossa própria vida através da exploração de todos os seus recursos, rolou um momento A-HÁ e saquei que o burnout é a desertificação humana

Extraímos para além do limite de toda produção possível que aquela pessoa é capaz de entregar ao ponto dela não ser capaz nem mesmo de dormir por ansiedade ou viver sem medicamentos para controlar seus ataques de pânico frequentes.

Desta vez ninguém me contou, não foi uma notícia sobre as temperaturas e incêndios na Califórnia ou outra cúpula inútil da ONU com seus ODSs tentando controlar o ímpeto capitalista. Senti profundamente todos esses aspectos em minha vida. Vi a mina d’água lá da roça completamente seca e uma erosão enorme em outro lugar devido às chuvas torrenciais fora de época. Fica mesmo difícil se conectar com tudo isso do 14º andar do seu apartamento no Brooklin, ou dentro de um escritório na Faria Lima. As vezes a gente se incomoda quando a chuva alaga todos os caminhos de volta pra casa e ficamos preso involuntariamente onde estamos. Mas quando baixa a água, passamos, e tudo passa.

Nessa lógica de “10 passos que deveríamos seguir para ter sucesso na carreira e na vida” nos desconectamos completamente de nós mesmos e de todo o resto. 

Todo o esgotamento dos limites humanos e de recursos naturais parece mimimi de gente fraca, incompetente, que não sabe jogar o jogo. Por mais que eu tivesse muita paixão pelo que eu fazia e sempre busquei deixar os lugares e pessoas por onde passei melhores, ao entrar em contato com a terra de novo eu me questionei o porquê mesmo que eu estava fazendo o que fazia. Assim como a terra, de certa forma eu também desertifiquei e agora é urgente regenerar.

Como fazer esse caminho de volta?

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