Parte II: Queimou, e agora? Desabafos e Palpites
… Confundimos o que somos com o que fazemos… e isso está gerando uma baita confusão porque se somos o que fazemos, nos matamos para fazer cada vez mais e melhor e não sabemos mais o que fazer pois nunca parece ser suficiente… quem somos afinal? Como seremos dignos de afeto e respeito?
Lá vem o momento desabafo. A OMS definiu o burnout como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. Oi?
Como se administra com sucesso esse mundo complexo? Se alguém tiver essa resposta me ensine, por favor!
Com certeza essa pessoa vai virar um forte candidato ao Nobel e provavelmente multimilionário em minutos. Sem contar que muitos de nós não podemos nem nos dar ao luxo de ter burnout, ou gripe, ou qualquer outra coisa.
Simplesmente não dá tempo pra ficar cansado ou doente, não dá tempo para parar, pois simplesmente é uma questão básica de sobrevivência, vida ou morte, comer ou não comer. Ponto. E daí surge meu primeiro palpite e a proposta para esta nossa reflexão aqui.
De repente, sem combinar com a gente, o mundo mudou. Por conseguirmos desenvolver tamanha capacidade de comunicação, criação e inovação multiplicamos não somente as soluções. Mas também junto delas, multiplicamos os desdobramentos impensáveis e as consequências inevitáveis às novas formas de trabalho, novos arranjos sociais, novas combinações e novas relações. Como podemos ter uma regra definida para um jogo que acabou de ser criado e nem temos ainda o tabuleiro pronto?
Atualmente não existem respostas prontas ou qualquer modelo histórico que nos ajude a responder problemas tão inéditos que estamos nos deparando.
Bora pro palpite.
As gerações que estão vivas nos dias de hoje nunca haviam lidado com uma pandemia. Como consequência da Covid-19, ficamos trancados em casa e implodimos ao lidar conosco mesmos sem opção de nos distrairmos com o exterior, com as válvulas de escapes sociais, com as conquistas de progresso ilusórias compartilhadas, de um acalento por simplesmente seguir em frente, sem tempo para refletir. Este confinamento entre nossas próprias quatro paredes nos levou a algumas alternativas as quais vou simplificar (muito vulgarmente) em duas grandes vertentes:
Opção 1 – Ficar cara a cara com a gente mesmo, sem ter como fugir e lidar definitivamente com aquelas perguntas e sentimentos que empurrávamos com a barriga fingindo que “é assim mesmo, e vamos tocando”. Refletir sobre a nossa existência, cá pra nós, missão nada fácil ou agradável;
Opção 2 – Tá maluco? Nem pensar! Utilizar toda e qualquer possibilidade virtual de comunicação para se manter ocupado, conectado e integrado socialmente. Dar um up nos perfis que há muito tempo não eram atualizados, manter as redes sociais ativas e visualizadas a cada 2 minutos. Fazer todos aqueles cursos, webinários e workshops que estávamos adiando até ficar soterrado pelas informações esperando o novo normal chegar. Uma hora ele chega!
A opção 1 leva a um caminho muito tortuoso e íngreme, que dá uma baita vontade de desistir, gera milhões de dúvidas e questionamentos, especialmente quando não escolhemos caminhar por ele voluntariamente.
A opção 2 tenta nos manter minimamente dentro da normalidade já que somos o que somos através do olhar do outro e nos agarramos às novas formas de ocupação para mantermos nosso ego operante. Pode também provocar uma série de interpretações fantasiosas.
Os avatares sociais que compartilhamos virtualmente, geralmente felizes nas redes sociais e ocupadíssimos com o trabalho e nossa importância corporativa esconde a real dificuldade da convivência intensa e diária com nossos cônjuges, da educação de nossos filhos enquanto alguém precisa fazer o almoço e também participar do townhall mensal inadiável.
Os nossos problemas atuais têm múltiplas causas, múltiplos stakeholders, múltiplas consequências e se não bastasse, seguem evoluindo antes mesmo de acharmos uma resposta pra primeira pergunta.
Entendo que o burnout não é reflexo único de uma sobrecarga de trabalho. As cargas horárias fabris já foram infinitamente piores e as condições de salubridade idem.
Estamos refletindo aqui um conjunto de fatores inéditos com o confinamento obrigatório, afazeres familiares e da casa sobrepostos à necessidade de sermos perfeitos socialmente e profissionalmente sem que saibamos se é de comer ou passar no cabelo.
Precisamos dar conta de tudo, porque isto nos define, essa foi a fórmula que encontramos até agora para demonstrar nosso valor.
A partir deste novo cenário, não é mais tão eficiente nos resumir a uma única função, nos associarmos àquele tão bem sucedido plano de carreira ou prêmio de mérito. Aquele conhecimento, aquela resposta ultra especialista que tínhamos facilmente à disposição, isoladamente, já não soluciona os novos problemas que aparecem em nossa frente. Então querida OMS, como nós, pobres mortais, saberemos administrar este stress com sucesso e sozinhos?