Sempre ouvi essa frase de minha mãe. Geralmente nos momentos mais difíceis e vulneráveis de minha vida. Por outro lado, meu pai sempre me incentivou com discussões políticas frequentes, aguçando meu pensamento crítico mesmo quando concordava comigo, talvez como puro exercício de dialética, para afiar o machado e me deixar esperta. Fato é que eu sempre me importei com o que acontecia ao meu redor e aprendi a me defender e a defender aquilo que acredito. Não tinha noção de como isso incomoda.
Tive o privilégio de estudar em colégios que me proporcionavam diversas atividades voluntárias e grupos de jovens que me fazia refletir sobre meu papel no mundo. Desde a 3ª série do fundamental era eleita representante de turma, participava de encontros de liderança jovem, até virei presidente do Grêmio do colégio.
Nesta época, o grêmio conseguiu convencer o reitor a deixar as áreas comuns do colégio uma semana sem limpeza para uma campanha de conscientização da reciclagem. Uma tentativa de cair a ficha de quão mimada e mal-educada era aquela classe média branca da família tradicional mineira. Deveria ser algo tão simples jogar o lixo no lixo, mas ouvia argumentos de que aqueles jovens estavam ajudando a gerar empregos aos funcionários da manutenção. Imagino que muitos daqueles jovens tenham se tornado líderes de grandes empresas hoje. Fico me perguntando se ainda pensam como naquela época… afinal, ninguém muda tanto assim né?
Fui convidada por livre e espontânea pressão a uma conversinha na sala da coordenação. Professora Miriam muito séria me chamou e pediu que eu assistisse ao filme “O que é isso companheiro”. Que eu tomasse cuidado pois pessoas como eu… acabariam como eles. Ali pela primeira vez minha ficha caiu em relação às consequências de me importar, de me posicionar, de defender o que acredito, de incomodar o sistema, de mexer com status quo, de questionar quem está no poder.
Minha vontade de entender o mundo e as relações de poder me levaram a estudar Relações Internacionais e mais uma amarga revelação. Os mecanismos institucionais e as influências das mais diversas formas nas decisões que afetam o bem comum se davam em benefício de um pequeno grupo, sempre. Decidi que precisava tomar conta da minha vida e que talvez professora Miriam estivesse certa.
Me formei, no dia seguinte de minha colação comecei a trabalhar em uma Multinacional de bens de consumo e em 2 anos me tornei gerente. O bicho do comando e controle me mordeu. A insegurança de não saber o que fazer, como gerir o time, garantir que o que tivesse que ser feito fosse feito, e cometi todos os erros possíveis de uma primeira posição em cargo de gestão. Aquilo me fazia mal e deixava o time mal. A cultura não favorecia um comportamento muito diferente. A cobrança insana e as horas intermináveis de trabalho alimentavam aqueles comportamentos ruins. Eu e toda torcida do flamengo só nos importávamos com o resultado. E comecei a me perguntar onde estaria aquela Mariana que se importava com as pessoas, com ambiente limpo, com o bem-estar e desenvolvimento das pessoas. Então depois de 5 anos nesse ritmo, pedi demissão. Será que só existe esse tipo de vida e trabalho?
Fiz parte de outras gigantes do consumo e do mercado farmacêutico e entendi que o game não muda. Por mais que a cultura seja ligeiramente diferente e você tem a sorte de ter um chefe que renuncia à máscara e fala de coisas reais, enfrenta problemas reais e quer verdadeiramente resolvê-los…no fundo são travestidos de maior produtividade e eficiência. Acabei concordando com Nando Reis, o mundo está ao contrário e ninguém reparou. Ou até reparou, mas não valia a pena prestar atenção já que recebia-se convites, promoções, carros e tratamentos diferenciados.
Depois de muitos anos tentando operar no modo “tome conta de sua vida e já será uma grande vitória”, em meio a um cenário global extremamente conturbado, eleições presidenciais promovendo o conflito dentro de nossa própria casa ao invés de uma vida melhor para todos, aquela chama, ainda tímida, volta a queimar. Não é possível seguir falando de liderança e fechando os olhos para o que está acontecendo no mundo. Não é viável trabalhar 15h por dia em uma organização que se diz diversa e destrói o meio ambiente ou se utiliza de trabalho escravo. Não dá mais para fazer só o seu enquanto o bicho pega bem em frente ao nariz. O privilégio traz consigo um enorme dever de atuação, não somente o direito à sua manutenção.
Espero que cada um que se interessou e chegou até o final desse desabafo pense como suas pequenas decisões da vida adulta impactam no coletivo. Como podemos criar coletivos verdadeiramente regenerativos? Porque sem eles é impossível termos lideranças dignas, justas, inspiradoras. A força do coletivo é capaz de promover lideranças saudáveis. Parafraseando minha mãe… Não deixem que façam o que quiserem com você. Desentorpeça.